No fundo do lago de nossas vidas

segunda-feira, novembro 21, 2005

Chegará o dia em que nos olharemos e não te reconhecerei, porque já não serás o que foste. E tu não me reconhecerás, porque não serei o que fui. Um dia nos olharemos, mas não nos veremos, porque minha indiferença será maior que tua dor. Bem sabemos que a realidade mais íntima só aflora quando as águas baixam. Só aí percebemos as falsas virtudes que passamos a vida insistindo em exibir como se fossem verdadeiras. Só então nos chocamos com a sujeira das nossas vergonhas, que vimos escondendo debaixo das águas do cotidiano em que nos esquecemos de nós mesmos.

Diante da verdade que vem à tona e nos acusa, nos acovardamos, resistimos e ainda assim nos recusamos a admitir nossa culpa, nossa máxima culpa. Os detritos que vimos deixando pelo caminho nos condenam, mas ao mesmo tempo nos chamam à razão. Somos o que vamos deixando no fundo do pequeno lago de nossas vidas. Tanto podemos deixar os resquícios de nosso egoísmo, como ajudar a perpetuar a vida em peixes, areias brancas, plantas verdes e águas cristalinas.

Apesar de tudo, não nos desesperemos. Sempre é tempo para o recomeço. Basta que sigamos juntos, e olhos nos olhos, nos façamos uma promessa definitiva: eu cuidarei de ti, e tu cuidarás de mim. Só assim a vida terá uma chance. Nossos olhos brilham. Depende de nós se eles se turvarão na sujeira de nossos detritos. Ou se refletirão no espelho de nossas águas cristalinas. Somos o que deixamos no fundo do pequeno lago de nossas vidas.

Paulo José Cunha
Apresentado no quadro "Crônicas da Cidade" do DFTV do dia 19/11

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